sexta-feira, 26 de julho de 2013

A Teologia da Prosperidade como a Miséria da Teologia e Teologia da Miséria - Esdras Costa Bentho

Pregando o Evangelho dos Evangelhos!

Esdras Costa Bentho

A polissemia e a polifonia da revelação são reduzidas a um discurso lazarento, miserável, monossêmico, incapaz de traduzir toda riqueza da revelação de Javé na história.


No ano de 1846, Pierre-Joseph Proudhon, filósofo político e anarquista francês, escreveu um livro no qual criticava o sistema econômico de sua época. Contemporâneo de Karl Marx, enviou a obra, "Sistemas das Contradições Filosóficas ou Filosofia da Miséria", ao amigo e correspondente. Marx não concordou com a teoria econômica de Proudhon e dedicou-se a compor outro escrito, "A Miséria da Filosofia", editado em 1847. O título da obra de Marx era uma paródia ao subtítulo do trabalho literário do amigo francês. Desde então a expressão “miséria da filosofia” é usada para designar uma contradição dentro de um sistema ou teoria e até mesmo para designar as falhas metodológicas em uma abordagem, seja ela científica, seja ela religiosa. 


De igual modo, também podemos comparar a Teologia da Prosperidade (TP) como a Miséria da Teologia. Não apenas pelo fato de ser uma teologia cáustica, que corrói os fundamentos epistêmicos da Teologia Cristã, mas porque depaupera a Teologia, esvaziando sua mensagem e corrompendo seu significado. Destaco duas doutrinas cristãs que são esvaziadas pela Teologia da Prosperidade (doravante TP) que a torna a Miséria da Teologia e a Teologi da Miséria. Vejamos:


1. A Doutrina da Revelação.


Toda e qualquer religião, seja em seu aspecto teológico, seja em seu aspecto fenomenológico, se autocompreende por meio de uma revelação, geralmente atribuída a uma ação divina e uma recepção humana. A teologia cristã não existe sem uma compreensão da Revelação de Deus. Assim, toda manifestação cristã reflete de alguma forma a teologia da revelação ou uma compreensão a respeito dela, consciente ou inconscientemente. A confissão de fé, que se deriva de uma hermenêutica da revelação, por exemplo, se manifesta no rito, nos elementos que formam o culto, de tal forma que a doutrina pode ser vista na liturgia e a liturgia apresenta a doutrina. A lex credendi não é separada da lex orandi.


Desta forma, quando o teólogo da prosperidade anuncia o desejo de Deus de conceder ao homem a prosperidade, a honra e a riqueza, fala a partir de uma compreensão da Doutrina da Revelação e se coloca como canal desvelador e profético. A autocomunicação que Deus faz de si na Escritura e na história é reduzida ao imediatismo fugaz da necessidade humana, pois torna-se apenas uma resposta ao sofrimento humano.


A TP reduz a Doutrina da Revelação a um discurso ideológico que mescla algumas verdades da Escritura com valores mensuráveis na vida do crente, como a prosperidade econômica. O discurso sobre a Revelação de Deus é midiático e repetido à exaustão até que se faça a troca simbólica de entregar a Deus o melhor e, o Senhor, dono do ouro e da prata, “retribuirá proporcionalmente à oferta”.


A TP tem um conceito opaco de Revelação que obriga o fiel a sacrificar o intelecto para aceitá-lo. Os teólogos da prosperidade, se estudaram teologia algum dia, podem ser acusados de improbidade ou desonestidade intelectual pelo fato de corromperem a Teologia da Revelação de Deus. A polissemia e a polifonia da revelação são reduzidas a um discurso lazarento, miserável, monossêmico, incapaz de traduzir toda riqueza da revelação de Javé na história. Os teólogos da prosperidade são assim culpados por reduzir a espinha dorsal da teologia cristã à miséria de uma teologia reducionista e manipulável. Essa forma de teologia só pode ser a miséria da teologia.


Conjunto à Doutrina da Revelação necessariamente temos que abordar a respeito da teontologia, ou do ser de Deus.


2. A Doutrina de Deus.


Outro fundamento teológico reduzido à miséria da teologia é a doutrina de Deus. A revelação do nome de Deus a Moisés em Êx 3.13-15 tem elementos do mistério que circunda a manifestação que Javé faz de si mesmo. O Deus que se mostra, afirma P. Ricouer  é um Deus escondido e a quem pertencem as coisas ocultas (Escritos e Conferências, p.168). O Senhor se revela por meio de um nome inominável! “Javé” – Ele é – não é um nome que define, mas que significa, que significa o gesto da redenção, afirma Ricouer. A revelação do Eterno é histórica (Deus de Abraão, Isaque e Jacó), no entanto, está apoiada no mistério que circunda o sentido do nome. 


Se na cultura judaica primitiva conhecer o nome de um personagem tornava-o disponível ao talante do conhecedor; a revelação do Nome a Moisés demonstrava que o Senhor não estaria à mercê da linguagem e disposição de seus adoradores. “Eu Sou” (Ehyéh asher ehyéh) não é um nome que desvela apenas sua natureza e essência incomunicável, mas que o coloca como o Deus da Redenção do passado, do presente e do futuro. O que Ele é está oculto na essência do que o Nome significa.


Há, portanto, um segredo e uma comunicação. A TP, entretanto, emprega o nome divino e a autocomunicação que o Eterno faz de Si na Escritura e na história como um amuleto mediante o qual conhecer o Nome é colocá-lo à vontade do adorador. Javé é reduzido à coisa, ao objeto que se manipula, ao divo frágil controlado à mercê de alguém. O Nome divino assim empregado pelos teólogos, pastores e adeptos da TP perde a dialética da comunicação e do segredo, do amor e do compromisso, da transcendência e da imanência. O Eterno deixa de ser Deus para se tornar Deus ex machina. 


Permita-me o leitor, explicar o sentido da expressão Deus ex machina, isto é, “o deus máquina ou mecânico”. Quando determinada ficção criada pelos teatrólogos gregos estava emaranhada, de difícil resolução, costumava-se descer inesperadamente um deus por meio de uma máquina até o local da encenação a fim de resolver de modo mirabolante a trama. O respectivo divo mecânico, chamado deus ex machina, era uma válvula de escape e solução para o fechamento glorioso do drama. Desde então a expressão é usada para descrever toda e qualquer solução artificial e inesperada. Neste aspecto, o pastor e teólogo protestante D. Bonhoeffer fez ácidas contestações ao “deus figurante” (deus ex machina) como uma forma de explicação e solução quando nada mais é possível ou não se acha uma resposta satisfatória para as perguntas que se colocam diante da Igreja. Afirmava que


Deus não é um tapa-furos; Deus tem de ser conhecido não apenas nos limites de nossas possibilidades, mas no centro da vida; Deus quer ser conhecido na vida e não apenas na morte, na saúde e na força e não apenas no sofrimento, na ação e não apenas no pecado. A razão disso está na revelação de Deus em Jesus Cristo. Ele é o centro da vida, e de modo algum “veio para” trazer-nos a resposta para questões não resolvidas. A partir do centro da vida, certas perguntas até mesmo caem por terra e, da mesma forma, as respostas a essas perguntas.  (Resitência e submissão, p.415-6)


A TP faz de Deus um deus ex machina; um figurante que desce de seu trono para solucionar o indissolúvel. Um deus levado ao talante de seus adoradores; dominado, limitado e preso às circunstâncias de quem o clama. Essa forma de teologia só pode ser a miséria da teologia. Rejeitemos, em forma de doutrina ou de cântico, como modelo litúrgico e de comunhão cristã, a TP que nada mais é do que a miséria da teologia e a teologia da miséria.


Fonte: CpadNews

Esdras Costa Bentho é pastor, teólogo, especialista em Hermenêutica Bíblica e pesquisador em Hermenêutica Filosófica, chefe do Setor de Bíblias e Obras Especiais da CPAD e escritor. É autor dos livros “A Família no Antigo Testamento – História e Sociologia” e “Hermenêutica Fácil e Descomplicada”, e co-autor de “Davi: As vitórias e derrotas de um homem de Deus”, todos títulos da CPAD.

Um comentário:

  1. Concordo com todo o texto, pois realmente me indigna ver que no meio cristão, o Deus Vivo é tratado como nosso servo, e não como Senhor... já ouvi pregadores e pastores, dizendo que podemos até mesmo fazer uma lista com nossas exigências e apresenta-la a Deus!!! Absurdo! Pecado! Mas graças a esse mesmo Bom Deus, há um remanescente fiel, que prega a Palavra como ela é, e não tem medo de dizer a Verdade... Eu agradeço ao Senhor, por ter desde minha conversão, me apegado à leitura diária da Bíblia, ela sim, me ensinou tudo que sei, e muitos bons testemunhos me ajudaram tb! Deus o abençoe!
    Cida Teles

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Paz do Senhor prezado irmão,
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